terça-feira, 3 de março de 2009

Fado mar, fado cais

Triste fado que fala do próprio fado.  Há dias jantei no Norte Shopping, no Pasta Caffé.  Um dos temas da conversa foi a situação de um conhecido jornal português em meio à crise internacional.  Sabe-nos à comida italiana, mas falamos sobre Portugal num restaurante controlado pela Ibersol, uma empresa portuguesa com sede no Porto, num shopping do grupo Sonae, com sede na Maia. Exceções ao fado?

No fado que fala de si, ator e autor são diferentes papéis conscientes da respectiva fronteira.  Enquanto atores, sentimos cada emoção que nos vai à alma, cidadãos portugueses partes do fado maior.  Enquanto autores, interpretamos com nossos sentidos a emoção dos fados que ouvimos, dando corpo e voz sob outro olhar, sob outro fado.

A voz tremida carrega a tristeza, o mar traz em ondas os versos do autor que sente a dor que deveras sente, ator e autor em sintonia.  Sim, nós, porttugueses, somos fadistas natos, somos atores e autores de fados.  Mas ainda não falamos do próprio fado; ficamos a admirar eternamente a pobre ceifeira, invejando-a.

Este fado mar, que carrega as palavras, as vontades, os desejos, não são planos de futuro, não têm objectivos.  É preciso torná-lo porto seguro, atracá-lo ao cais da mudança, da inovação.  Quebrar o falso espelho que reflecte apenas o passado, envelhecer como o retrato de Dorian Gray e acordar barata como Gregor Samsa.  É preciso reescrever o fado mar em fado cais.

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