Lembro-me do final do filme Dangerous Liaisons em que Marquise de Merteuil limpa o rosto do excesso da maquiagem com que diáriamente apresentava-se. A queda de uma máscara faz-se sentir ao espelho.
Em tempos de crise, a maquiagem de Estado promete transformar grandes investimentos em grandes oportunidades, enquanto a oposição transforma os futuros gastos em futuros problemas. Entretanto, envelhecemos, as crianças jogam nos seus computadores Magalhães, endividamo-nos comprando carros topo de gama enquanto os bancos leiloam nossos imóveis.
Chegou a hora de limparmos o rosto. Fomos grandes navegadores. Fomos e podemos ser. Mas o problema é que pensamos que somos ou que apenas queremos ser: vemos o passado como algo que simplesmente passou, não vemos como aprendizagem, como possibilidade. Ao invés do possível, do que podemos alcançar, filosofamos sobre desejos, sobre sonhos, sobre planos. Vivemos à deriva da possibilidade, em meio ao desejo do inalcançável, vivendo os dias como se não houvesse futuro, como se não tivesse havido passado.
Nasce a insustentável multiplicidade de cada um de nós. Nós, portugueses, que vivemos esta realidade que julgamos real, sabemos que afinal não somos tão bons, não somos tão perfeitos. Mas enquanto a reação lógica poderia ser assumir a queda, limpar o rosto do excesso e enfrentarmos as rugas que sempre foram nossas, preferimos continuar mascarados. Somos grandes lá fora enquanto chorámos em casa. Mostramos força durante o dia e dormimos com calmantes e anti-depressivos.
Espero que um dia aprendamos o quanto é importante poupar para investir no futuro, pensar na educação antes da tecnologia "made in Portugal", pensar na estabilidade sustentada antes do comodismo, no que podemos fazer com investimento e dedicação e não com o simples desejo. É hora de esquecermos a máscara que nos esconde do espelho, que nos esconde de nós próprios. Precisamos conhecer e aprender com nosso passado, ver o presente sem maquiagem, e traçar o caminho do futuro.