The original Itchycoo Park, from 1967, by Small Faces:
The version of M People, released on 1994:
E então descubro que tenho sede, mas não tenho sede de água. Tenho sede de rede.
The original Itchycoo Park, from 1967, by Small Faces:
The version of M People, released on 1994:
Mesmo que eu cantasse todas as canções, mesmo que eu falasse todas as línguas, minha voz comum no meio da multidão é pequena demais para ser grande e grande demais para ser pequena. Minha voz comum nasce dos dedos, leves toques sobre letras, conjugando verbos, criando palavras, construindo frases. É a comum voz entre as gentes, mas como toda voz, não tem idade, nem padrão, vive de saudade, sentidos e esperança.
Esta rede que recolho do mar já alberga outros cais de abrigo. Este já conta cinco anos de encontros no cais da escrita, no cais das histórias de encontros, nas histórias de muitos outros cais e de futuros encontros: Notícias do Cais. Entrei após o rebentar do espumante em seu casco, entrei como viajante, continuo como velejante. A força do mar nos guia, as vontades recriam o mar e o casco desbrava a trinta dedos-nós sobre o teclado.
#using bSomethingLibrary;
public class Life
{
public void Life()
{
do
{
live();
} while ( onEarth());
}
public Life live()
{
bPart [] yourself = new bPart [5];
yourself[0] = bFree();
yourself[1] = bFriend();
yourself[2] = bLover();
yourself[3] = bLoved();
yourself[4] = bYou();
return new Life(yourself);
}
}
Tinha na mão três sementes de abóbora chila (gila). Parecia-lhe estranho que agora estava em sua mão, na enxada e no poder da terra o futuro deste legume. Sabia que em 2040 as últimas abóboras chilas eram conseguidas em estufas do Estado para a manutenção da biodiversidade mínima obrigatória em qualquer país da Eurásia. Infelizmente, um vírus produzido por um grupo radical resistente à recém adesão da Rússia e China à comunidade, pôs fim ao projecto no final do mesmo ano. Não compreendia porque destruir o futuro de espécies em extinção poderia ser uma forma de luta contra a inclusão de novos países a uma comunidade de cooperação semi-global. Alguns o chamavam guardador de sementes, em alusão à antiga e rara tradição do pastorio. Sabia que era mais do que isso, pois manter suas sementes não era como conduzir um rebanho, representava o futuro, a continuidade de um sonho de família, desde que seu pai havia abandonado a vida de especialista em mãos e pés de andróides para dedicar-se à uma atividade de maior contato com a natureza. Plantava agora num terreno cedido pelo Estado para fixação de pessoas que se dedicassem a restituir vida à paisagem semi-deserta de todo o interior do país.
A mão suava. As sementes estavam húmidas, anciosas de terra. Abonou a cabeça, tomou a enxada com o braço esquerdo, distribuindo as sementes enquanto fechava os pequenos buracos na pouca terra da sua estufa. Sabia que quando saísse estaria muito mais frio, porque a região que escolhera ainda era bastante afetada e pouco povoada. Veria apenas a luz da lua crescente a iluminar os raros arbustos que ousavam romper a terra feita em areia endurecida. O guardador de sementes parecia satisfeito, mesmo que três sementes fossem apenas um começo, estava a fazer a sua parte. Quem sabe sua filha não poderia um dia comer o doce que sua bisavó contava que a mãe lhe fazia com nozes?
* Ficção que tomou como mote a reportagem feita pela SIC no programa Terra em Alerta, sobre o trabalho da Associação "Colher para semear".
I found out two more videos, from Duran Duran, where Tess Daly appears, Serious:
and Violence of Summer:
The album is Liberty, from 1990.
Quando acordares terás d'além mar flores.
As flores estarão aqui, o perfume na memória.
Quando acordares e teus dedos procurarem letras no teclado,
O mar ficará mais calmo, e as flores farão sua jornada,
Flutuando pelas águas salgadas.
Se fores à praia, verás uma onda a rebentar na areia,
e quando a espuma escoar,
as flores aos teus pés descalços.
Feel is a polish band, that on their first 2007 album decided to make a cover from the biggest hit from the duo The Beloved (Jon Marsh and his wife Helena), Sweet Harmony (unfortunately no video clip is available - just a static picture for the song):
is it right or wrong / try to find a place / we can all belong? / be as one / try to get on by / if we unify? / we should really try... / all this time / spinning round and round / made the same mistakes / that we've always found / surely now / we could move along / make a better world? / no it can't be wrong / let's come together / right now / oh yeah / in sweet harmony / let's come together / right now / oh yeah / in sweet harmony / let's come together / right now / oh yeah / in sweet harmony / let's come together / right now
oh yeah time is running out / let there be no doubt / we should sort things out / if we care / like we say we do / not just empty words / for a week or two / make the world / your priority / try to live your life / ecologically / play a part / in a greater scheme / try to live the dream / on a wider scene / let's come together / right now / oh yeah / in sweet harmony
Sweet Harmony, Conscience, The Beloved, 1993
The original version video:
Wow... The blond girl with short hair is Tess Daly, a well known UK presenter.
Há livros assim. Que passam de mão em mão, ficam amarelos, mais gordos, com as capas arranhadas, as páginas rabiscadas. Lembro-me das Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Aquele livro marcou minha infância e gostei tanto de o ler que não parei neste, li toda a obra do autor. Minha mãe o leu, reli-o eu, minha irmã leu, e a menina deverá lê-lo. E outros no passado e uns tantos no futuro. O livro das comuns idades é um livro que passa de geração em geração, como herança, tradição, cultura de comunidades. Livro-História, a escrever o tempo e o espaço de quem lhe alberga.
A liberdade é azul, a igualdade branca, a faternidade vermelha. Onde moro estas cores costumam brincar às escondidas em tons de sépia, a abrir caminhos de luz entre os verdes.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Negativo da caricatura de Fernando Pessoa por Almada Negreiros
Mensagem, Segunda Parte - Mar Português, Poema I - Infante, Fernando Pessoa
120 anos. Muitos outros Pessoas nasceram antes e depois de ti, portugueses como tu, grandes como tu. Tua mensagem correu bocas, estudos, livros, blogs, e tua voz que não canta continua presente em outras vozes, por outros Pessoas. Cumpriu-se o Mar, outrora. Cumpre-se hoje o dia-a-dia. Pessoa, é certo que ainda falta cumprir-se Portugal, mas se o homem não pára de sonhar, a obra nascerá.
How far we can walk, how far we can grow, our heart and mind follow our rhythm. So just keep your heart clean and your mind focus on your beliefs. If we just do what is expected to be right, we don't live too much, if we just do what is expected to be wrong, the World will be against us. So smile when the unknown says the opposite of your beliefs, without a reason, just to be against you. Build your own network of family and friends, don't hide your emotions when you're in this group and control them when you're outside, with a simple and silent smile, whenever this is really needed. This group can disagree with you sometimes, but will understand that you're following what moves you, your own beliefs. It's not a question of hidden yourself, of building a protected shell over your mind and heart. A smile can have two meanings, two understandings, and it's not a give up from your thoughts and not even an agreement to what you don't believe. It's just to provide enough time for the reflection on the other side. And if no feedback for your smile is given, just have in mind that you've tried to listen, and in your heart, you'll be free enough to continue your own way. Don't build bad anchors to the past, otherwise they will follow your way too. Don't deny the possible word, don't stop talking, just use the smile in the right moment, like a last try to break a vicious way, when you don't have the chance to show what is the background or reason for your belief. Smiles are better than the war. They give you enough time to think about the next battle, to schedule the future steps to the proof of your concepts, not because it's important to proof your truth, but because it's important to change a little bit the World, to show that you can smile without stop thinking. Just follow more your mind and your heart. Enjoy your soul, feedback yourself. U got 2 listen 2 U.
Tradução para português:
É preciso escutar a nós próprios
Quão longe possamos andar, quão grandes possamos ser, nosso coração e nossa mente seguem nosso ritmo. É preciso manter nosso coração puro e nossa mente concentrada nas nossas crenças. Se apenas fizermos o que se espera que seja o correcto, não vivemos muito, se apenas fizermos o que se espera que esteja errado, o Mundo estará contra nós. Então sorria quando o desconhecido disser o oposto de tuas crenças, sem razão aparente, apenas por ser contra ti. Constrói tua própria rede de amigos e familiares, não esconda tuas emoções quando estiver neste grupo e controla-as quando estiver em outros grupos, com um simples e silencioso sorriso, sempre que for realmente necessário. Este grupo que tu criaste pode, por vezes, discordar de ti, mas compreenderá que estás a seguir o que te move adiante, tuas próprias crenças. Não é uma questão de esconder-te de ti mesmo, nem de criar uma concha ao redor da tua mente e do teu coração. Um sorriso pode ter dois significados, duas interpretações, e não é desistir das tuas crenças nem tampouco concordar com aquilo em que não acreditas. É simplesmente dar tempo para a outra parte reflectir. E se não houver resposta ao teu sorriso, conclua simplesmente que tentaste escutar, e que no teu coração estarás livre para continuar teu caminho. Não construa âncoras que te liguem negativamente ao passado, não pare de falar, apenas limita-te a usar o sorriso no momento certo, como uma última tentativa para quebrar um ciclo vicioso, quando não temos a chance de mostrar as razões da nossa crença. Sorrisos são melhores que uma guerra. E também dão a ti tempo suficiente para pensar sobre a próxima batalha, para programar os futuro passos para provar tuas crenças, não porque seja importante provar a tua verdade, mas porque é importante mudar um pouco o Mundo, mostrar que podes sorrir sem parar de pensar. Segue mais tua mente e teu coração. Aproveita teu espírito, dá retorno à ti próprio. É preciso escutar a nós próprios.
Passagem para a Índia. A bipolaridade entre Índia e Inglaterra é abordada neste filme de forma não maniqueísta, em que a inocência torna-se em experiência, o certo torna-se em dúvida e o encontro pode dar-se quando menos se espera, no local menos provável. É sobretudo um filme que retrata a descoberta de si mesmo, do encontro com o próprio eu, do sentimento que temos escondido e que não queremos ou podemos mostrar ao mundo.
Há três encontros que me fascinam. O encontro entre Mrs. Moore e Professor Godbole, entre Adela Quested e si mesma na gruta de Marabar, entre Dr. Aziz e a perda de sua própria inocência.
O primeiro é o mais instigador, ao percebermos que a alma humana ultrapassa nações e fronteiras e que podemos seguir um caminho de vida sem nunca ter passado pelo caminho físico que o poderia propiciar. Mrs. Moore ultrapassa o pré-conceito de duas nações ao simplesmente questionar sua própria condição. Sua passagem de volta, resultado da sua incompreensão e impotência face ao que presenciava, é saudada em namasté por Professor Godbole quando parte de comboio, acção que lhe causa curiosidade e respeito, sem imaginar que era uma despedida antes de sua passagem final de encontro com o oceano índico.
O segundo é a redescoberta do mito de uma caverna (encontro com as entranhas da terra, ou mesmo enquanto metáfora do útero materno), quando o calor abafado e intenso da pré-monção durante o percurso por um lado, a escuridão, o eco e a claustrofobia da própria gruta por outro, são os elementos que propiciam uma alucinação, uma descoberta do eu (em eco, como num jogo de espelhos), e uma fuga desesperada de si mesmo. Quando os pensamentos correm sem controlo, a sugestão de uma bipolaridade marcada pelas desigualdades entre colonizador e colonizado é capaz de deturpar os fatos, criando uma batalha política, que culmina no julgamento e absolvição por falta de provas de Dr. Aziz.
O terceiro encontro, entre Dr. Aziz e sua nova condição, é derivado da batalha política e suas consequências. É impressionante a transformação neste personagem, começando na sua subserviência inocente aos desejos de duas senhoras inglesas, e culminando no assumir do estatuto criado com sua nova "inocência", a judicial, já sem a outra inocência que resumia sua postura.
No percurso destes três encontros, fica a figura igualmente marcante de Mr. Fielding, calejado apoiante de Dr. Aziz, mas que acaba por proteger Adela após o julgamento. E é no encontro com a mulher de Mr. Fielding (Stella, filha de Mrs. Moore, de um segundo casamento), que Dr. Aziz, agora estabelecido médico local, acaba por perceber que é preciso perdoar.
Obrigado t.o r.k.m u.r p h.y... por me lembrar deste filme! Namasté!
I'm sorry. I forgot to put water on the seed, and it didn't grow. At least I used the unconditional attractive evil button! The Button:
The picture reborns with the voice of Annie Haslam:
Out at daybreak to the sun
Seas are drifting glass
The tides were turning to the storm
Winds were moving fast
Women waiting at the harbour
Silent stand around
Weather storms another day
For men the sea had found
Fisherman were laying nets
The barrels spread the bait
The seagulls warning echoed round
Winds that wouldn't wait
People gathered at the harbour
Waiting for the tide
Eyes half closed against the spray
And tears they cannot hide
[Chorus:]
Shadows falling at the harbour
Women stand around
Weather storms another way
For men the sea had drowned
Hulls were creaking crashing sails
Rains were slating down
The oilskins flapping, decks awash
Slanting turning round
Thunder roaring at the harbour
Women drawn in fear
Huddle up to wait the time
And pray the sky will clear
Howling winds and the raging waves
Cracked upon the boats
And torn from safety torn from life
Men with little hope
Ghostly echoes at the harbour
Whispering of death
Women weeping holding hands
Of those they still have left
At the harbour, Ashes are Burning, Renaissance, 1973
Tradução para português:
O Porto
A imagem renasce à voz de Annie Haslam:
Saindo ao nascer do sol
Mares são vidros flutuantes
As marés transformavam-se em tempestade
Os ventos moviam-se rapidamente
Mulheres a aguardar no porto
Silenciosamente esperam ao redor
Tempestades avançam mais um dia
Pois homens o mar encontrou
Pescadores estendendo as redes
Os barris espalham as iscas
Os avisos das gaivotas ecoam pelos arredores
Ventos que não podiam esperar
Pessoas aglomeradas no porto
Aguardando pela maré
Olhos meio fechados contra o borrifo
E lágrimas que não conseguem esconder
[Refrão:]
Sombras caem no porto
Mulheres aguardam em volta
Tempestades avançam por outro caminho
Pois homens o mar afogou
Os cascos estavam rangendo destruindo as velas
Chuva caindo como granizo
Os oleados batendo, convés lavados
Se abaixando, virando de costas
Trovão ressoando no porto
Mulheres atraídas pelo medo
Se aglomeram para esperar a hora
E rezam que os céus limpem
Ventos uivantes e as ondas agitadas
Racham sobre os barcos
E separados da segurança, separados da vida
Homens com pouca esperança
Ecos assustadores no porto
Suspiros de morte
Mulheres choram a segurar as mãos
Daqueles que ainda lhes restam
At the harbour, Ashes are Burning, Renaissance, 1973
Faltava um post com este título. Faltava sol à Primavera, e as cores do arco-íris à praia, mesmo sem chuva, mesmo entre nuvens.
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Lusíadas, Canto I, Camões
Por mares agora navegados, tua voz continua a espalhar a música da tua poesia. E não é por acaso que hoje é o dia de Portugal e que passados mais três dias também aqui neste blog nascerá outro post. O engenho e a arte renascem e reescrevem a História, mesmo que a voz não se escute, fica sempre a palavra a ecoar em "outros pessoas".
Ontem foi dia de praia. O pai e a menina foram de Metro e saíram em Matosinhos Sul. Acomodaram-se perto do mar, com a praia ainda vazia, e deixaram o vento baloiçar as cores do guarda-sol enquanto faziam castelos de areia. Algumas nuvens corriam no céu azul, criando sombras rápidas sobre as pequenas dunas mornas. A menina estava tão contente que não sabia por onde começar e mesmo com os moldes exatos para fazer um polvo violeta, um pato amarelo, um barco verde e uma estrela do mar vermelha, preferiu voltar à calçada, perto do bar, onde já lá estavam outras crianças a brincar numa casa em plástico. Experimentou todos os brinquedos, comeu bolachas, bebeu água até que chegou a hora de voltar para preparar o almoço. No caminho de volta quis segurar o guarda-sol com os dois braços, como se abraçasse todas as cores do arco-íris.
Como não amar também estas cidades? Neste porto de abrigo, neste comboio de corda*, cabem muitas cidades e muitas outras hão de viver cá. São todas pontes de encontro, apagam minha sede de rede.
*Autopsicografia, Fernando Pessoa
Após a chuva, anoitece em Matosinhos, o mar recolhe-se para voltar a cobrir a areia. O porto calmo de abrigo* espera.
*Ao longe o mar, Madredeus
"The seed that you plant today tomorrow will be a tree"
Carpet of the Sun, Renaissance, 1973
Tradução para português:
A fruta é a semente
"A semente que plantamos hoje será a árvore de amanhã"
Carpet of the Sun, Renaissance, 1973
It's amazing how the tree can be the metaphor of our own life.
Tradução para português:
A árvore
É fascinante como a árvore pode ser a metáfora da nossa própria vida.
Lyrics:
Come along with me / Down into the world of seeing / Come and you'll be free / Take the time to find the feeling / See everything on it's own / And you'll find you know the way / And you'll know the things you're shown / Owe everything to do the day / Come along and try / Looking into ways of giving / Maybe we will fly / Find a dream that we will live in / We'll look into the eyes of time / Past ages have turned to dust / And born somewhere on the line / The loving that grows with us / Come into the day / Feel the sunshine warmth around you / Sounds from far away / Music of the love that found you / The seed that you plant today / Tomorrow will be a tree / And living goes on this way / It's all part of you and me / [Chorus:] See the carpet of the sun / The green grass soft and sweet / Sands upon the shores of time / Of ocean mountains deep / Part of the world that you live in / You are the part that you're giving
Carpet of the Sun, Renaissance, 1973
A imagem acinzentada que mantenho como fotografia autoral é a composição de duas "palavras" japonesas que representam energia espiritual, força da vida, atmosfera misteriosa, poder espiritual. Pretendo abordar um pouco mais em futuros posts.
Searching for something, anything after the image of the lady in the rain. I found Kayama, just a song from ATB. But maybe one of the best electronic songs ever written by him. The same way I just found it, I listened to it, trying to saw different views for the same amazing combination of electronic sounds. I imagined the lady dancing, happy after going to the doctor, I saw her happy face, younger, searching for the sunny afternoon from yesterday. The lady of the hour doesn't know ATB, not even what is Kayama, but she knows that the good things in life, like a smile when we just feel healthy, are so precious as a beautiful piano solo in a trance song.
Tradução para português:
Procurando por algo, qualquer coisa após a imagem da senhora na chuva. Encontrei Kayama, apenas uma canção de ATB. Mas provavelmente uma das melhores canções eletrónicas algumas vez escritas por ele. Da mesma forma que eu a encontrei, escutei-a, tentando vizualizar deferentes padrões da mesma combinação de sons eletrónicos. Imaginei a senhora dançando alegre depois de ir ao médico, vi seu rosto feliz, rejuvenescido, procurando pela tarde ensolarada de ontem. A senhora da hora não conhece ATB, nem tampouco o que é Kayama, mas sabe que, as boas coisas da vida, como um sorriso quando simplesmente estamos com saúde, são tão preciosas como um bonito solo de piano de uma canção trance.
Confusa numa esquina da D. Afonso Henriques com a Sousa Aroso, a Senhora da Hora (como resolvi chamá-la, em homenagem à estação de metro que a menina mais gosta), perguntava-me pelo local de uma consulta. O ollhar perdido parecia ter encontrado a pessoa certa, quando estendeu-me um conjunto de papéis, facturas de análises, cujo grampo igualmente prendia o cartão de um Consultório. Estava a chover, a Senhora da Hora segurava seu guarda-chuva, inclinando-o aleatoriamente na direcção em que hesitava. Senti-me por breves instantes aquele que poderia ser-lhe útil e que me reconfortaria por algum tempo o desejo impulsivo de simplesmente ajudar. Mas percebi algo mais naquele olhar translúcido e hesitante, percebi humildade e receio, como a de um animal ferido e asustado que deixa-se levar nos braços por alguém que lembrou-se de que este também é um ser vivo. Lá estava a Senhora da Hora, a esperar pela minha decisão. Resolvi sorrir e começar a confortá-la, indicando com as mãos e com frases feitas, a direcção que deveria tomar. Foi então que percebi que o olhar permanecia transparente, quase choroso, como se estivesse realmente ferida, por alguma razão que então desconhecia. Pretendia chegar cedo ao trabalho, mas percebi que lho devia dizer:
- A senhora quer que a acompanhe até ao consultório?
O rosto inclinou em consonância e abriu-se um sorriso pálido, reconfortado, dolorido. A senhora da hora acompanhou meus passos, ofereceu seu guarda-chuva para abrigar-me e o guia continuava sua inusitada tarefa matinal. Quando chegamos ao prédio do Consultório, mesmo tendo conferido o número, confirmei o endereço, o nome da especialidade e a exacta sala. Confirmado, pensei, passando a mesma confiança sorridente, misturada à satisfação de ter feito algo mais por quem andaria às voltas sem nada descobrir, à chuva, por muito mais tempo. Coloquei-me em seu lugar, e permaneci a sorrir algum tempo, respondendo à consonância de outrora. A Senhora da Hora fechou seu guarda-chuva, agradeceu envergonhada, como pedindo desculpa por sua ingnorância, e entrou no prédio. Minha hora também chegou na página seguinte, virando-me no sentido oposto, pela mesma rua, a seguir em direcção ao trabalho.
Porque me chamas com tua voz? Um navio em porto de abrigo, uma partida eminente, gente que não fala minha língua mas sorri sob a mesma voz, o soar do apito. Porque me chamas com tua voz, se sabes que preciso continuar aqui sentado, a olhar para o céu azul, a sentir a brisa que vem do mar, a escutar os pássaros que ansiavam a primavera. O sol lá fora convida-me, mas o dever chama-me e preciso cá estar. Parte com tua gente, que escuta teu chamado e corre para voltar à casa! Minha casa é onde estou feliz, onde faço minha vida por agora, onde ancoro minhas raízes nómadas. Para já não respondo ao teu chamado, apenas sorrio.
As Ilhas dos Açores, Madredeus. Nostalgia compreende o que se vive, entenda-se aquilo que nos desperta à memória, do tempo vivido. Como pode então esta canção ecoar em nostalgia se nunca fui aos Açores?
Esta voz que não canta, que se quer apenas presente, parte do eco das outras vozes, parte do eco do que o pensamento permite, renasce à deriva, no mar que recria. Corrente ausente, que leva tudo do rio à foz, escuta esta voz, faz do seu desejo o futuro e dá continuidade à sua marcha! Ninguém larga a grande roda, ninguém sabe onde é que andou. [...] O meu sonho acaba tarde, acordar é o que eu não queria*.
* O Pastor, Madredeus
Pássaros, passos, escassos
ruídos
A porta que abre, o telemóvel que toca,
passos
palavras, pessoas, portas
gaivotas
cadeiras
e o silêncio impera
enquanto as mentes brilham
O que a madrinha lhe havia criado com os individuais de plástico, imaginando um telhado entre as duas, agora a menina redescobria numa outra casa em que até conseguia entrar. O pai rearrumou todo o quarto, e conseguiu um espaço para montá-la. Após colher as maçãs, tratou de fazer a sua especialidade, tirando de algum lugar, provavelmente de um armário, uma panela que lhe permitisse cozê-las em lume brando. O doce era feito à gosto, apurando com o tempo de cozedura. O pai divertia-se com a alegria contagiante da menina. Quando ficou pronto, a menina estendeu a mão pela porta e disse:
- Prova, papá.
Aquele era o melhor doce caseiro do mundo.
A criança na cadeira não imagina o sol que poderá alcançar, não imagina o futuro que está por criar. Pés descalços sobre couro trabalhado, apoia suas pequenas mãos nos que lhe dão conforto, questiona a luz que ilumina os três e olha para o lado, sem notar o homem encurvado atrás da grande máquina que os foca. A criança na cadeira quer correr, brincar, crescer, ser feliz.
O primeiro dia de Junho, o dia da Criança, é um dia de sol. Imagino-me a subir, criança, para uma cadeira a tentar alcançar o sol. Minha mão aquece com o calor e a sombra que esta estrela cria ao tentar tapá-la envolve meus dedos com um brilho vermelho, como se a própria mão estivesse iluminada. Magia de criança, sorriso incandescente, capaz de mudar o mundo, futuro à espera entre nuvens de algodão.