sexta-feira, 6 de junho de 2008

A Senhora da Hora

Confusa numa esquina da D. Afonso Henriques com a Sousa Aroso, a Senhora da Hora (como resolvi chamá-la, em homenagem à estação de metro que a menina mais gosta), perguntava-me pelo local de uma consulta. O ollhar perdido parecia ter encontrado a pessoa certa, quando estendeu-me um conjunto de papéis, facturas de análises, cujo grampo igualmente prendia o cartão de um Consultório. Estava a chover, a Senhora da Hora segurava seu guarda-chuva, inclinando-o aleatoriamente na direcção em que hesitava. Senti-me por breves instantes aquele que poderia ser-lhe útil e que me reconfortaria por algum tempo o desejo impulsivo de simplesmente ajudar. Mas percebi algo mais naquele olhar translúcido e hesitante, percebi humildade e receio, como a de um animal ferido e asustado que deixa-se levar nos braços por alguém que lembrou-se de que este também é um ser vivo. Lá estava a Senhora da Hora, a esperar pela minha decisão. Resolvi sorrir e começar a confortá-la, indicando com as mãos e com frases feitas, a direcção que deveria tomar. Foi então que percebi que o olhar permanecia transparente, quase choroso, como se estivesse realmente ferida, por alguma razão que então desconhecia. Pretendia chegar cedo ao trabalho, mas percebi que lho devia dizer:

- A senhora quer que a acompanhe até ao consultório?

O rosto inclinou em consonância e abriu-se um sorriso pálido, reconfortado, dolorido. A senhora da hora acompanhou meus passos, ofereceu seu guarda-chuva para abrigar-me e o guia continuava sua inusitada tarefa matinal. Quando chegamos ao prédio do Consultório, mesmo tendo conferido o número, confirmei o endereço, o nome da especialidade e a exacta sala. Confirmado, pensei, passando a mesma confiança sorridente, misturada à satisfação de ter feito algo mais por quem andaria às voltas sem nada descobrir, à chuva, por muito mais tempo. Coloquei-me em seu lugar, e permaneci a sorrir algum tempo, respondendo à consonância de outrora. A Senhora da Hora fechou seu guarda-chuva, agradeceu envergonhada, como pedindo desculpa por sua ingnorância, e entrou no prédio. Minha hora também chegou na página seguinte, virando-me no sentido oposto, pela mesma rua, a seguir em direcção ao trabalho.

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