terça-feira, 10 de junho de 2008

Passagem para o eu

Passagem para a Índia. A bipolaridade entre Índia e Inglaterra é abordada neste filme de forma não maniqueísta, em que a inocência torna-se em experiência, o certo torna-se em dúvida e o encontro pode dar-se quando menos se espera, no local menos provável. É sobretudo um filme que retrata a descoberta de si mesmo, do encontro com o próprio eu, do sentimento que temos escondido e que não queremos ou podemos mostrar ao mundo.

Há três encontros que me fascinam. O encontro entre Mrs. Moore e Professor Godbole, entre Adela Quested e si mesma na gruta de Marabar, entre Dr. Aziz e a perda de sua própria inocência.

O primeiro é o mais instigador, ao percebermos que a alma humana ultrapassa nações e fronteiras e que podemos seguir um caminho de vida sem nunca ter passado pelo caminho físico que o poderia propiciar. Mrs. Moore ultrapassa o pré-conceito de duas nações ao simplesmente questionar sua própria condição. Sua passagem de volta, resultado da sua incompreensão e impotência face ao que presenciava, é saudada em namasté por Professor Godbole quando parte de comboio, acção que lhe causa curiosidade e respeito, sem imaginar que era uma despedida antes de sua passagem final de encontro com o oceano índico.

O segundo é a redescoberta do mito de uma caverna (encontro com as entranhas da terra, ou mesmo enquanto metáfora do útero materno), quando o calor abafado e intenso da pré-monção durante o percurso por um lado, a escuridão, o eco e a claustrofobia da própria gruta por outro, são os elementos que propiciam uma alucinação, uma descoberta do eu (em eco, como num jogo de espelhos), e uma fuga desesperada de si mesmo. Quando os pensamentos correm sem controlo, a sugestão de uma bipolaridade marcada pelas desigualdades entre colonizador e colonizado é capaz de deturpar os fatos, criando uma batalha política, que culmina no julgamento e absolvição por falta de provas de Dr. Aziz.

O terceiro encontro, entre Dr. Aziz e sua nova condição, é derivado da batalha política e suas consequências. É impressionante a transformação neste personagem, começando na sua subserviência inocente aos desejos de duas senhoras inglesas, e culminando no assumir do estatuto criado com sua nova "inocência", a judicial, já sem a outra inocência que resumia sua postura.

No percurso destes três encontros, fica a figura igualmente marcante de Mr. Fielding, calejado apoiante de Dr. Aziz, mas que acaba por proteger Adela após o julgamento. E é no encontro com a mulher de Mr. Fielding (Stella, filha de Mrs. Moore, de um segundo casamento), que Dr. Aziz, agora estabelecido médico local, acaba por perceber que é preciso perdoar.

Obrigado t.o r.k.m u.r p h.y... por me lembrar deste filme! Namasté!

4 comentários:

tork disse...

sou eu quem agradeço... belíssimo entendimento, este dos encontros...

Antonio Soares disse...

provavelmente enquanto escrevias o comentário, estava a alterar o próprio post (algo que faço após uma posterior releitura). Acrescentei outra figura marcante, o do Mr. Fielding.

tork disse...

reli teu texto... concordo com mais este marco... eu acrescentaria, como algo bastante elucidativo daquele, então, futuro encontro de adela consigo mesma (e toda a confusão que isto arma em sua cabeça), a cena da fuga dos macacos, durante um passeio solitário de bicicleta... foi quando ela visitou um templo em ruínas... imagens eróticas, possivelmente inspiradas naquelas dos templos de khajuraho... aliás, e. m. forster, o autor do livro, foi bastante criativo ao mesclar aspectos geográficos e culturais numa localidade absolutamente fictícia, representando a índia e a ocupação britânica... outra coisa, o tema musical de maurice jarre, tão poucas e tão absolutamente completas notas...

Antonio Soares disse...

Concordo. As cenas com os macacos já era um sinal de que Adela era demasiado frágil e fechada ao erotismo que a filosofia hindu lhe poderia ensinar (aliás a atriz passa uma imagem de uma mulher desprovida de qualquer sensualidade), e quando começamos a achar que sua curiosidade lhe vai despertar algo mais, surgem os macacos ou o próprio superego que a demove a ir mais além. Fiquei com curiosidade de ler o livro e de escutar a trilha de Maurice Jarre.