Tinha na mão três sementes de abóbora chila (gila). Parecia-lhe estranho que agora estava em sua mão, na enxada e no poder da terra o futuro deste legume. Sabia que em 2040 as últimas abóboras chilas eram conseguidas em estufas do Estado para a manutenção da biodiversidade mínima obrigatória em qualquer país da Eurásia. Infelizmente, um vírus produzido por um grupo radical resistente à recém adesão da Rússia e China à comunidade, pôs fim ao projecto no final do mesmo ano. Não compreendia porque destruir o futuro de espécies em extinção poderia ser uma forma de luta contra a inclusão de novos países a uma comunidade de cooperação semi-global. Alguns o chamavam guardador de sementes, em alusão à antiga e rara tradição do pastorio. Sabia que era mais do que isso, pois manter suas sementes não era como conduzir um rebanho, representava o futuro, a continuidade de um sonho de família, desde que seu pai havia abandonado a vida de especialista em mãos e pés de andróides para dedicar-se à uma atividade de maior contato com a natureza. Plantava agora num terreno cedido pelo Estado para fixação de pessoas que se dedicassem a restituir vida à paisagem semi-deserta de todo o interior do país.
A mão suava. As sementes estavam húmidas, anciosas de terra. Abonou a cabeça, tomou a enxada com o braço esquerdo, distribuindo as sementes enquanto fechava os pequenos buracos na pouca terra da sua estufa. Sabia que quando saísse estaria muito mais frio, porque a região que escolhera ainda era bastante afetada e pouco povoada. Veria apenas a luz da lua crescente a iluminar os raros arbustos que ousavam romper a terra feita em areia endurecida. O guardador de sementes parecia satisfeito, mesmo que três sementes fossem apenas um começo, estava a fazer a sua parte. Quem sabe sua filha não poderia um dia comer o doce que sua bisavó contava que a mãe lhe fazia com nozes?
* Ficção que tomou como mote a reportagem feita pela SIC no programa Terra em Alerta, sobre o trabalho da Associação "Colher para semear".
1 comentário:
história interessante...
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